A dúvida sobre o direito do cônjuge sobrevivente ao único imóvel deixado como herança é uma das mais recorrentes no Direito das Sucessões. A questão se torna ainda mais delicada quando o falecido possuía filhos de outros relacionamentos e o bem em disputa é justamente a residência da família. Nesses casos, compreender a diferença entre meação, herança e direito real de habitação é fundamental para definir o que cabe a cada herdeiro.
Quando o cônjuge tem direito à herança?
De acordo com o art. 1.829 do Código Civil, o cônjuge sobrevivente é herdeiro necessário e concorre com os descendentes e ascendentes do falecido, independentemente do regime de bens adotado, salvo exceções expressamente previstas em lei.
A concorrência sucessória varia conforme o regime de bens do casamento:
- Comunhão parcial de bens: o cônjuge tem direito à meação sobre os bens adquiridos onerosamente durante o casamento e, na herança, concorre apenas sobre os bens particulares do falecido.
- Comunhão universal de bens: como todos os bens são comuns, o cônjuge sobrevivente tem direito à meação de 50%, mas não herda sobre o restante, salvo inexistência de descendentes ou ascendentes.
- Separação total de bens (convencional): o cônjuge não concorre na herança, salvo se o regime foi imposto por lei (art. 1.641, CC), hipótese em que o STJ reconhece o direito sucessório do sobrevivente.
- Participação final nos aquestos: o cônjuge tem direito à meação apenas dos bens adquiridos onerosamente na constância do casamento e concorre na herança dos bens particulares.
É importante destacar que meação e herança são institutos distintos:
a meação decorre do regime de bens, enquanto a herança decorre da sucessão causa mortis.
O que é o direito real de habitação do cônjuge?
Além da meação e da herança, o Código Civil, em seu art. 1.831, assegura ao cônjuge (ou companheiro) sobrevivente o direito real de habitação, que consiste na permanência vitalícia e gratuita no imóvel destinado à residência da família, desde que seja o único bem imóvel a ser inventariado.
A finalidade desse direito é proteger a moradia familiar, garantindo que o cônjuge sobrevivente não seja desalojado após o falecimento do parceiro, preservando assim o princípio da dignidade da pessoa humana (art. 1º, III, da Constituição Federal).
Exemplo prático
Victor e Marlene eram casados sob o regime da comunhão universal de bens. Ela era médica, com renda mensal de R$ 20 mil, e ele, engenheiro aposentado, recebia R$ 8 mil. O casal não tinha filhos em comum, mas Victor possuía duas filhas do primeiro casamento: Daiana e Carla.
O casal residia há mais de dez anos em uma mansão em Salvador, avaliada em R$ 700 mil, sendo este o único imóvel de propriedade do casal.
Com o falecimento de Victor, suas filhas pleitearam a partilha do imóvel, alegando direito sucessório. Contudo, Marlene tem assegurado o direito real de habitação, nos termos do art. 1.831 do Código Civil, o que lhe permite permanecer residindo no imóvel pelo resto da vida, mesmo que o bem seja partilhado entre os herdeiros.
A relativização do direito real de habitação pelo STJ
O Superior Tribunal de Justiça, entretanto, tem relativizado a aplicação automática do direito real de habitação, afastando-o em situações em que não se verifica a necessidade de proteção da moradia familiar.
No REsp 1.382.170/SP, de relatoria do Ministro Luis Felipe Salomão, julgado em 04/09/2018 pela Quarta Turma, o STJ destacou que o benefício não deve ser aplicado de forma irrestrita, especialmente quando:
- o cônjuge sobrevivente possui outros imóveis que podem servir de residência;
- o imóvel em questão não é destinado à moradia habitual da família; ou
- o sobrevivente dispõe de condições econômicas suficientes para prover o próprio sustento e garantir outra moradia.
Assim, o Tribunal tem ressaltado que o direito real de habitação não é um privilégio patrimonial, mas sim uma proteção de natureza assistencial e social, cuja aplicação deve considerar as circunstâncias concretas e a finalidade de resguardar a dignidade e a segurança habitacional do cônjuge sobrevivente.
Como se proteger em casos como esse?
Para evitar litígios familiares e garantir segurança jurídica, recomenda-se a adoção de um planejamento sucessório e patrimonial em vida.
Instrumentos como testamento, doação em vida com reserva de usufruto, contratos de convivência e pactos antenupciais podem definir, com clareza, a destinação dos bens e proteger o cônjuge sobrevivente contra disputas judiciais após o falecimento.
Além disso, o planejamento sucessório permite reduzir custos, evitar inventários prolongados e preservar a harmonia familiar, assegurando o cumprimento da vontade do titular do patrimônio.
Conclusão
O cônjuge sobrevivente possui direitos expressivos na sucessão, mas sua extensão depende do regime de bens adotado e da existência de outros herdeiros. O direito real de habitação atua como instrumento de proteção social da moradia, porém não é absoluto, podendo ser relativizado quando não se verifica a necessidade de proteção habitacional, conforme entendimento do STJ.
Dessa forma, o planejamento sucessório é o meio mais eficaz para prevenir conflitos, garantir a proteção do cônjuge e assegurar a justa distribuição do patrimônio familiar.
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