Essa é uma informação que poucos sabem, mas o abandono afetivo, que agora é reconhecido como hipótese geradora de responsabilidade civil, pode trazer não apenas consequências emocionais e psicológicas, mas também reflexos financeiros para os filhos ao longo do tempo.
Imagine que você foi criado apenas por sua mãe, e que seu pai, ausente durante toda a sua vida, retorna na velhice, aos 70 anos, ingressando com uma ação judicial para pedir pensão alimentícia e exigir o cumprimento do dever de cuidado.
Pois bem, essa é uma situação que, embora pareça improvável, pode acontecer.
Abandono Afetivo e as consequências
O abandono afetivo ocorre quando um dos pais se omite de forma injustificada quanto ao dever de cuidado, presença e afeto em relação ao filho, violando os deveres de sustento, guarda e educação previstos no artigo 22 do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) e no artigo 1.634 do Código Civil.
O Superior Tribunal de Justiça (STJ) reconheceu que o abandono afetivo pode gerar dano moral indenizável (REsp 1.159.242/SP), entendendo que o amor não é exigível judicialmente, mas o cuidado é dever jurídico.
Com o fortalecimento da proteção à dignidade da pessoa humana e dos laços familiares, a Lei nº 14.532/2023 reforçou mecanismos de responsabilização civil e penal por condutas que atentam contra o bem-estar psicológico de familiares, incluindo o abandono.
Contudo, essa mesma relação jurídica traz um dilema: o dever recíproco de prestar alimentos entre pais e filhos, previsto nos artigos 1.694 e 1.696 do Código Civil, ainda permanece válido, mesmo quando há histórico de ausência afetiva.
Assim, o filho pode ser chamado a sustentar um pai ou mãe que o abandonou, salvo se o abandono afetivo for devidamente comprovado e reconhecido judicialmente, hipótese em que a obrigação pode ser relativizada ou afastada.
Exemplo Prático
Vicente é filho de José e Ana. Ana sempre cuidou de Vicente, conciliando plantões médicos e a administração de sua própria clínica para garantir o sustento e a educação do filho.
José saiu de casa quando Vicente tinha apenas um ano de idade. Mudou-se do estado da Bahia e nunca mais deu notícias.
Hoje, aos 70 anos, retorna e ingressa com uma ação de alimentos pedindo pensão ao filho, que se tornou médico e administra a rede de clínicas fundada pela mãe.
Do ponto de vista legal, o dever alimentar é recíproco entre pais e filhos, independentemente de quem tenha cuidado do outro.
Mas, do ponto de vista moral e jurídico, a situação é questionável, pois José abandonou completamente o filho e deixou de cumprir seus deveres parentais.A jurisprudência, em situações como essa, tem reconhecido que o abandono afetivo e material pode afastar o dever de prestar alimentos, especialmente quando configurado o rompimento total dos vínculos familiares.
Exclusão de Sobrenome por Abandono
A exclusão de sobrenome é uma medida judicial possível quando o filho deseja romper o vínculo jurídico e simbólico com o genitor que o abandonou.
O artigo 57, §8º, da Lei de Registros Públicos (Lei nº 6.015/1973) permite a alteração do nome por motivo justificável, mediante decisão judicial.
O Superior Tribunal de Justiça (STJ) tem admitido tal exclusão em casos de abandono afetivo comprovado, entendendo que a manutenção do sobrenome pode representar sofrimento e violação à identidade pessoal (REsp 1.340.786/RS).
Além do aspecto emocional, essa medida pode ter reflexos jurídicos relevantes: com o rompimento do vínculo de filiação, cessam também os deveres recíprocos de alimentos, o que impediria o genitor de reivindicar pensão na velhice.
Conclusão
No caso de Vicente, se antes da demanda judicial tivesse sido reconhecido judicialmente o abandono afetivo e requerida a exclusão do sobrenome paterno, com a consequente desconstituição do vínculo de filiação, ele não teria obrigação legal de prestar alimentos a José.
Embora o ordenamento jurídico brasileiro imponha o dever de assistência entre pais e filhos, a jurisprudência vem relativizando essa obrigação diante de provas inequívocas de abandono material e emocional.
O abandono afetivo, portanto, não é apenas uma questão moral: é uma conduta com consequências jurídicas concretas, capazes de repercutir no dever de indenizar e até mesmo na ruptura formal dos laços familiares.
Casos de abandono afetivo e obrigação alimentar exigem análise individualizada e orientação técnica especializada.
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