A temática dos bens e da sucessão causa receio em muitas famílias, sendo com frequência evitada. Contudo, o abandono não se manifesta apenas na relação de pais para filhos; também ocorre no sentido inverso, quando descendentes negligenciam cuidados e apoio aos genitores. Surge, então, o questionamento central: filhos que abandonam os pais ainda têm direito à herança?
Trata-se de um problema sensível, que envolve aspectos afetivos, sociais e jurídicos, exigindo análise técnica do ordenamento e de suas possíveis soluções.
Abandono afetivo dos filhos
O chamado abandono afetivo inverso ocorre quando os filhos deixam de prestar assistência moral, emocional ou material aos pais, especialmente em situações de vulnerabilidade decorrente da idade avançada ou da condição de saúde.
No plano jurídico, a Constituição Federal estabelece o dever de amparo aos pais na velhice (art. 229), e o Código Civil impõe aos filhos a obrigação de prestar alimentos aos ascendentes (art. 1.696). Assim, o ordenamento não é indiferente à negligência filial.
Ainda assim, o direito sucessório possui regras específicas sobre quem pode ou não herdar, sendo necessário compreender como se dá a partilha da herança e em quais hipóteses o filho pode ser excluído.
A herança: quem tem direito e como se distribui?
A herança é composta pelo patrimônio deixado pelo falecido. O Código Civil divide esse patrimônio em:
a) Legítima
Metade dos bens deve obrigatoriamente ser destinada aos herdeiros necessários descendentes, ascendentes e cônjuge (art. 1.846 do CC).
Os filhos, portanto, são herdeiros necessários e, como regra, não podem ser privados dessa parte.
b) Parte disponível
A outra metade pode ser livremente destinada pelo autor da herança, por testamento, a qualquer pessoa.
Dessa forma, ainda que haja abandono emocional ou ausência de convivência, o filho não perde automaticamente seu direito sucessório, salvo nos casos expressamente previstos em lei.
A deserdação: quando é possível excluir um filho da sucessão
A deserdação é o único meio jurídico eficaz para privar um herdeiro necessário de receber a herança. Para que ocorra, devem ser observados requisitos legais:
- Previsão em testamento, por vontade expressa do falecido (arts. 1.964 e 1.965 do CC).
- O fundamento deve estar previsto em lei, sendo os motivos taxativos — como injúria grave, ofensa física, relações ilícitas com o cônjuge do ascendente e, especialmente, a falta de assistência material (art. 1.962, III).
- Após a abertura da sucessão, os demais herdeiros devem comprovar judicialmente a prática do ato deserdatório.
Importante notar: abandono afetivo, por si só, ainda não é causa expressa de deserdação, embora a jurisprudência tenha ampliado a leitura da falta de assistência moral e material.
Exemplo prático
Carlos, pai de Felipe, teve uma convivência limitada com o filho após a separação conjugal. Com o passar dos anos, Felipe interrompeu todo contato. Já idoso, com 75 anos e portador de doenças cardíacas, Carlos necessitava de cuidados, mas Felipe não prestou assistência.
Após o falecimento de Carlos, suas filhas do segundo casamento Diana e Maria não queriam dividir o patrimônio com Felipe sob o argumento de abandono e negligência.
Felipe teria direito à herança?
Sim. Na ausência de testamento prevendo deserdação e considerando que o abandono não é automaticamente causa de exclusão sucessória, Felipe permanece herdeiro necessário e tem direito à parte legítima, conforme determina o Código Civil.
Somente se Carlos tivesse deserdado Felipe de forma fundamentada e se essa deserdação fosse posteriormente confirmada judicialmente é que sua exclusão poderia ocorrer.
Conclusão
O abandono afetivo inverso, embora moralmente reprovável e juridicamente censurável, não retira automaticamente o direito sucessório do filho. Para que haja perda da herança, é indispensável que o ascendente adote as medidas legais de deserdação, justificando o ato com base em causas previstas na legislação e submetendo-o à posterior confirmação judicial.
Portanto, salvo nesses casos específicos, os filhos ainda que negligentes permanecem titulares da legítima, devendo participar da partilha do patrimônio deixado pelos pais.
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